A professora esteve presente para seus alunos na pandemia? Esteve próxima, esteve distante? Qual a natureza do vínculo que se dá mediado pela tecnologia?
E os alunos, estiveram e estão presentes, ali naquele campo mediado possível? Qual a distância entre uma ação observável – uma pergunta no chat, uma câmera ou microfone que se abre ou se fecha – e um sentimento?
Essas reflexões foram surgindo ao ler o recente artigo de Maria Gabriela Di Gesú (publicado em 30 de abril de 2021 no periódico científico Human Arenas, em inglês – deixo o link ao final) sobre a construção da intersubjetividade on-line e a percepção dos alunos acerca da presença do professor em uma interação mediada pela tecnologia – no caso, as aulas on-line.
A pesquisadora apresenta dois estudos de casos de estudantes argentinos, de uma estudante de 10 anos do ensino fundamental e de um aluno de curso superior, de 29 anos.
A pergunta sobre a qual a autora se propõe a refletir, ainda que de forma inicial, é: como a intersubjetividade se dá em contexto de ensino a distância, em que professores e alunos nunca se encontram presencialmente?
Para isso, Di Gesu retoma o conceito de intersubjetividade. Percebemos o outro através de um espaço compartilhado ou de uma consciência mútua. A presença do outro é sempre reconhecida, quer seja de forma amigável ou antagônica, pelo reconhecimento de uma linguagem compartilhada. Desde o nascimento, os seres humanos já mostram indícios dessa capacidade para compartilhar experiências, e a interação pode ser iniciada tanto pelo bebê quanto pelos cuidadores.
Essa interação vai construindo a base da nossa compreensão sobre os outros e a forma como nos relacionamos com eles, fundamentando nossa própria subjetividade, de acordo com os pressupostos teóricos da psicologia histórico-cultural. Nas palavras da autora, “desde os primeiros momentos da vida os sujeitos vêm construindo seus conhecimentos interagindo com outras pessoas significativas. A interação dos pais/cuidadores com as crianças incorpora reciprocidade”.
Na sala de aula, a linguagem não verbal entre alunos e professores cria uma cultura incorporada compartilhada, segundo Bruner (citado pela autora). Isso é verdadeiro tanto para crianças quanto para jovens universitários. Paralelamente ao currículo, outros conteúdos subjetivos são aprendidos, como o quê e quando falar, e o tipo de sensação resultante, como o medo da rejeição ou a busca da aprovação do grupo.
Com a pandemia, professores e alunos se viram obrigados a participar de um outro tipo de arranjo, mediado pela tecnologia. Di Gesú conta o exemplo da professora que improvisa um quadro negro na parede da cozinha – o quadro negro, esse objeto tão característico da escola, extrapola seu ambiente e marca aquela relação on-line como um significado compartilhado entre professor e alunos. Com isso, professores e alunos recriam o campo intersubjetivo que experimentavam na sala de aula presencial.
Ana, a aluna de 10 anos, acessou as aulas on-line a partir de um computador fornecido pelo sistema público argentino. Antes da aula virtual, penteia o cabelo e organiza sua mesa, depois liga o computador e coloca os fones de ouvido, numa espécie de ritual. Conversando com a pesquisadora ao final da aula, disse que prefere não falar na aula porque não gosta de falar para uma tela. Que alguns amigos não participaram, e ela sentiu falta deles. E que a professora recomendou que passeiem, procurando se movimentar para se sentirem melhor.
Referiu-se à professora de forma afetiva, percebendo que a mesma se importava com ela. Ao final do ano, ao ser entrevistada novamente, disse à pesquisadora que, nas aulas on-line, não conseguia ver o corpo da professora, suas mãos e gestos. Reiterou que não gostava de falar na aula on-line – preferia na aula presencial, quando bastava levantar a mão e falar. Considera que aprendeu, mas não foi a mesma coisa.
Di Gesú aponta que encontrou o mesmo tipo de resposta em alunos mais velhos. Ainda que professor e alunos tenham compartilhado esse espaço para a intersubjetividade, tanto Ana quanto outros alunos ficaram sentindo que algo faltou, ainda que tenham sido aprovados. Ainda assim, a presença do professor foi sentida no ambiente de casa, com a formação de uma “bolha de aprendizagem” em que Ana entrava e se transformava em aluna, ainda que distante fisicamente.
O artigo de Di Gesú me fez refletir sobre a força dessa intersubjetividade que nos é constitutiva, que aprendemos desde o berço, em vínculos próximos, mas também é capaz de superar a distância física. Humanizamos as relações através do computador. Mesmo que isso deixe muito a desejar quando comparado à realidade escolar a que nos acostumamos, do espaço compartilhado da escola, é algo que não pode ser ignorado nem minimizado. Ainda temos muito que aprender sobre a intersubjetividade mediada pela tecnologia.
Referência
Di Gesú, M.G. Building Intersubjectivity in Online Learning: Pupils’ and University Students’ Perception of Teachers’ Social Presence in Technology-Mediated Teaching and Learning Processes. Hu Arenas 4, 338–349 (2021). https://doi.org/10.1007/s42087-021-00226-x