Essa semana vi uma notícia em que uma família comemorava o fato de ter conseguido uma “professora auxiliar especialista”, segundo a reportagem e vídeo publicado no YouTube. Essa profissional acompanhará a inclusão escolar de sua filha Anna Heloísa, de nove anos e com Síndrome de Down, na escola comum em que está matriculada, na cidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo.
A história contada pelos pais é muito parecida com aquele “roteiro da exclusão” que muitas famílias enfrentam ao tentar matricular seus filhos com deficiência na escola comum: a discriminação em variados graus de sutileza por parte da escola, alegando que não tem condições de receber a criança, bem como sugerindo que a família procure a APAE para matricular a filha.
Mas os pais de Anna Heloísa sabiam bem o que queriam: que a filha fosse incluída em uma escola regular. Deixam claro que essa escolha foi feita desde cedo, quando matricularam a filha, então com quatro anos incompletos, na escola comum, como preconiza a legislação brasileira. E acrescentam: a filha já surpreendeu muitos que não acreditavam nela com suas conquistas.
Agora, Anna Heloísa tem, além da professora da sua classe comum, uma professora auxiliar especialista que a acompanha no período de aula, bem como uma cuidora para a apoiar nas necessidades de higiene, segundo o que seu pai conta à reportagem. Ainda de acordo com a família, a escola agora está reconhecendo os avanços da aluna.
Eu gostaria de refletir sobre algumas questões. Em primeiro lugar, a questão da escola. De acordo com a filosofia da inclusão, são os espaços públicos que devem se adaptar para receber as pessoas com deficiência, e não o contrário. Em que medida essa escola se adaptou? Como a professora da sala comum está trabalhando com a aluna? Como está planejando suas atividades para toda a turma, incluindo Anna Heloísa? Muito provavelmente, pouca ou nenhuma mudança aconteceu. Porque a adaptação foi feita de maneira a atender a aluna de forma separada, sem modificar aquilo que a escola já fazia.
Em que medida Anna Heloísa está de fato incluída? É inclusão ser atendida de forma separada dentro da escola comum? Não. Isso é integração, e não inclusão. A filosofia da integração pontua que a escola receberá alunos com deficiência, desde que existam recursos para que o aluno se adapte individualmente à escola, que não fará mudanças na sua forma de funcionar. Um exemplo de integração é a classe especial, em que alunos com deficiência estudavam na mesma escola que alunos sem deficiência, mas em espaços segregados. A diferença entre inclusão e integração pode ser mais bem entendida no texto da professora Maria Teresa Eglér Mantoan Integração x Inclusão: Escola (de qualidade) para Todos. Segundo a professora:
…fusão não é junção, justaposição, agregação de uma modalidade à outra. Fundir significa incorporar elementos distintos para se criar uma nova estrutura, na qual desaparecem os elementos iniciais, tal qual eles são originariamente. Assim sendo, instalar uma classe especial em uma escola regular nada mais é do que uma justaposição de recursos, assim como o são outros, que se dispõem do mesmo modo.
Podemos considerar inclusão a “dupla” professora auxiliar especialista e aluna? Em que medida a aluna não está sendo atendida em um tipo de aula particular? O que diferencia essa aula particular de uma aula que poderia estar acontecendo em casa ou na APAE? E a escola? Vai bem, obrigada – ou seja, mudou em quê suas práticas?
É plenamente compreensível a luta da família para que sua filha receba o melhor ensino na escola comum inclusiva. Mas o tipo de ensino que sua filha está recebendo não poderia ser definido como um ensino inclusivo, pelas razões apontadas acima.
Já observei muitas situações semelhantes no meu trabalho de acompanhamento a escolas. A professora auxiliar fica o tempo todo junto ao aluno, numa espécie de “bolha” isolada do contexto da classe. No geral, a dupla fica no fundo da sala, e faz outras atividades que geralmente não têm qualquer relação com o que os demais alunos estão fazendo. Podemos dizer que a criança foi aceita no espaço escolar? Sim. Mas que está incluída, no sentido em que as práticas da escola se transformaram para atender a todos os alunos nas suas especificidades, não.
Na quinta-feira, dia 13 de julho, estreia meu canal no YouTube, em que lançarei videos periodicamente sobre temas relacionados à educação inclusiva, psicologia escolar e aprendizagem. Não por acaso, meu primeiro vídeo é sobre psicologia escolar e educação inclusiva. Nele, eu explico o conceito de educação inclusiva, e utilizo alguns esquemas que já são conhecidos por quem costuma ler sobre o assunto. Encontrei uma imagem dos esquemas no site Inclusive, que estou reproduzindo a seguir.
A imagem da Integração fala por si. Os alunos com deficiências são justapostos, colocados juntos, mas não são misturados, como acontece na imagem da Inclusão. Gosto muito desses esquemas – é o tipo de imagem que vale por mil palavras e deixa muito clara a diferença entre integrar e incluir.
A cena final do vídeo é eloquente: nela, Anna Heloísa aparece percorrendo o corredor da escola, ladeada pela professora auxiliar e pela cuidadora. Uma “bolha” bem demarcada, que suscita muitas questões: será que ela precisa desse apoio restritivo para se locomover? Será que a professora auxiliar e a cuidadora não fariam melhor se a acompanhassem a uma certa distância, incentivando sua autonomia? E os colegas, tão importantes para a permanência com sucesso na escola? Será que estão na sala de aula, “fazendo lição”, um momento do qual Anna Heloísa não participa? Enfim, as perguntas são muitas, e precisam ser feitas, se se quer avançar.
(imagem: reprodução YouTube)
Uma palavra final: não quero que esse texto soe como uma crítica à família da Anna Heloísa, à escola ou ao juiz responsável pela sentença. Tenho certeza absoluta que todos estão lutando pelo que acreditam ser o melhor. Meu objetivo é que esse texto sirva como uma reflexão sobre o que se almeja como ideal inclusivo, pois isso pode estar muito distante do que as crianças com deficiência têm direito e merecem.
Publicado originalmente em 12 de julho de 2017
(imagem: Zefer – http://www.freeimages.com)